Diria que duas grandes temáticas me atraem ao Fórum de Governança da Internet, neste meu interesse pelas políticas associadas à comunicação e à informação. A primeira diz respeito ao que diretamente tem a ver com o meu trabalho no Observatório de Sexualidade e Política e na minha aproximação com a APC com a pesquisa EROTICS, que é a associação entre direitos humanos e governança da internet, aproximando a internet da promoção sobretudo dos direitos sexuais e reprodutivos, da liberdade de expressão e do direito à privacidade. Já a segunda área é a minha causa de militância, de vida: a defesa ao acesso à informação e a práticas inclusivas de comunicação, sobretudo considerando os direitos de pessoas com deficiência.
E nos meus segundo e terceiro dias de FGI, tentei me dividir em atividades com estes dois enfoques. Assim, destaco aqui algumas sessões e impressões e conexões com o debate sobre governança da internet, a começar pela sessão “Inclusão digital: alcançando as pessoas mais socialmente excluídas da sociedade”. O debate ocorreu no segundo dia e girou em torno da inclusão e do acesso a novas tecnologias a pessoas com deficiência, sendo também pontuadas outras perspectivas da acessibilidade, por palestrantes e pela platéia, que dizem respeito ao acesso para populações mais pobres, ao custo das tecnologias, barreira em função do idioma, acesso para a população indígena, para pessoas idosas, entre outros grupos. Bom ver que temas acerca do direito ao acesso à informação tem sido pautados, ao mesmo tempo em que me surpreendeu ouvir representantes do governo de diferentes países dizendo que têm implementado uma série de ações, quando na verdade a garantia à informação continua sendo um processo discriminatório e excludente. Achei que a mesa falou muito dos aspectos da promoção da acessibilidade, como se tudo estivesse bem e perfeito, caminhando a passos largos com todo o avanço tecnológico, sem apontar a série de desafios e problemas enfrentados para promover uma inclusão digital de fato e efetiva.
Ainda neste segundo dia, participei da sessão “Melhor prática no Brasil: Lei de direitos”, organizada pela delegação brasileira para discutir o Marco Civil da Internet, uma proposta de lei em andamento no país para definir princípios para a regulação da internet, prevendo normas e princípios para usuários/as, provedores de internet e governo. À frente desta atividade, estavam representantes do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e também do Ministério da Justiça do Brasil, que está coordenando este processo de elaboração do Marco Civil da Internet, especificamente através da Secretaria Adjunta para Assuntos Legislativos. Destaco esta sessão sobretudo porque a construção do Marco Civil fez parte do nosso campo de observação durante a pesquisa EroTICs e porque também mudou o enfoque do debate sobre regulação da internet no Brasil, saindo de uma perspectiva restrita de criminalizar condutas e práticas para falar pelo viés dos direitos civis de atores envolvidos. Bem, a sessão foi interessante e teve estritamente o papel de divulgar tal iniciativa e, por conseguinte, o Brasil como o criador de uma promissora forma de construção de um marco legal para regulação da internet, com potencial de inspirar outros tantos países a replicarem tal processo. Senti falta, no entanto, que alguns entraves e polêmicas evidentes no processo fossem mais explorados, embora entenda que não era o papel nem lugar. Identificamos com a pesquisa EroTICs Brasil, por exemplo, uma grande tensão, principalmente na segunda etapa da consulta pública, a partir da forte pressão para alteração do conteúdo da minuta de lei proposta, a fim de facilitar investigações pela Polícia Federal de crimes cibernéticos, solicitando, entre outras mudanças, aumento no tempo de guarda de logs e maior facilidade no acesso a dados de usuários, sem a necessidade de intervenção judicial. Entre outros achados do EroTICs no Brasil, vale dizer que identificamos uma centralidade da sexualidade no debate sobre regulação da internet, através de argumentos evidenciando a necessidade de se combater a divulgação de conteúdos com pornografia infantil na internet. Na verdade, não questionamos a legitimidade dessa atuação em defesa dos direitos de crianças e adolescentes, mas sim consideramos oportuno pensar em que medida o discurso combativo à pornografia infantil não pode ter efeitos danosos no uso da internet para tratar de outras questões associadas aos direitos humanos, principalmente à sexualidade e aos direitos sexuais e reprodutivos.
Voltando ao FGI, outras discussões interessantes aconteceram no workshop “Liberdade de Expressão e Intermediários de internet” e na sessão principal “Acesso e Diversidade”. A responsabilidade dos provedores de acesso e serviços de internet foi debatida, com a participação de representantes de empresas de informática e provedores, como Microsoft e Google, e em debate estava em que medida intermediários de internet devem ser responsabilizados por práticas de seus usuários usando suas ferramentas e espaços. Ao mesmo tempo, foi possível ouvir relatos de pessoas que foram perseguidas em seus respectivos países por terem publicado determinados conteúdos, tendo seu direito à liberdade de expressão infringido. De todo este debate, me interessou a fala de Frank La Rue, caracterizando a liberdade de expressão como um direito humano que deve ser garantido e ele chamou a atenção que, com a internet, outras questões surgem neste processo de garantia, sendo responsabilidade seja de usuários/as, seja de provedores, se expressar e saberem o que estão tornando público.
Tenho percebido, nestes dias de FGI, que a conexão entre direitos humanos e governança da internet é o caminho possível para que pessoas usem este espaço com toda a potencialidade e criatividade evidentes. No entanto, uma série de debates na tentativa de chegar a entendimentos comuns sobre responsabilidade e garantia de direitos diversos de acordo com a diversidade de pessoas, culturas, conhecimentos e interesses, é mais que fundamental e urgente. Não há como falar em direitos sexuais e reprodutivos, sem reconhecer a importância do direito à liberdade de expressão, assim como ao direito ao acesso à informação, sendo esta conexão com os direitos imprescindível para se pensar não só no futuro da internet, mas no seu desenvolvimento constante desde já.
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