Como jornalista, sempre acompanhei discussões sobre direito à comunicação e garantia do acesso à informação para todas as pessoas, sem exceção. Com meu envolvimento na pesquisa EROTICS - Brasil (1), organizada pela APC, diria que o debate sobretudo em relação à internet e todas as reconfigurações que decorrem da incorporação do seu uso no dia a dia, me despertaram ainda mais interesse. E estar acompanhando a quinta edição do Fórum de Governança da Internet (FGI), em Vilnius, Lituânia, com esta perspectiva de monitorar debates acerca da regulação da internet e respectivos impactos na expressão das sexualidades e no tratamento de questões associadas aos direitos sexuais e reprodutivos, tem sido uma experiência intrigante.


Tudo aqui é novo. O excesso de segurança por se tratar de um encontro associado à Organização das Nações Unidas, a diversidade de temas, a multiplicidade de gente, o número de desafios associados à efetiva implementação do uso das TIC, a dinâmica das sessões e dos espaços, a cidade fria, cinza e tranquila... E toda essa novidade acompanhou o meu primeiro dia oficial de FGI, de forma que queria mesmo me dividir em muitas para estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Para entender melhor a estrutura deste fórum e ter uma idéia do seu processo de idealização e implementação, escolhi participar, de cara, de uma sessão que apresentou uma introdução a pessoas que estavam pela primeira no FGI. A sessão cumpriu o seu papel, no sentido de ter sido uma atividade institucional e, ao mesmo tempo, informal, para que as pessoas se sentissem a vontade para fazerem perguntas e esclarecerem dúvidas. De tudo que foi dito, ficou claro o esforço de manter o IGF um espaço com a participação e representação de múltiplos setores da sociedade e promover reflexões e intercâmbios de idéias sobre aspectos políticos, técnicos e outros associados à internet.


O ápice deste dia não poderia deixar de ser a sessão organizada para tratarmos de temáticas da pesquisa EroTICs. Com o título “Direitos sexuais, abertura e sistemas regulatórios”, neste encontro poderíamos ver reações das pessoas quanto às análises e observações sobre o que as equipes encontraram em seus países. Jac sm Kee, coordenadora da pesquisa, foi a moderadora da mesa, que contou com a participação de Tamara Qiblawi, que falou dos resultados da pesquisa no Líbano, e sobre como o a internet teve papel estratégico no fortalecimento do movimento queer do país. Ela então apresentou alguns exemplos de sites e outros fóruns on line em que pessoas LGBT se articulam e se relacionam, na consolidação de uma rede.


Clarissa Smith, da University of Sunderland (Reino Unido), falou sobre a rede sobre obscenidade da que ela faz parte, uma rede do Reino Unido que tem foco internacional e é financiada pelo Conselho de Pesquisa em Artes e Humanidades de lá com a intenção de examinar o que está acontecendo atualmente, no século 21, com relação à sexualidade, sexo, mídia e tecnologia. Entre as questões mais interessantes que Clarissa levantou, destaco a provocação que ela fez com relação à importância de pensar não apenas que as pessoas produzem e acessam pornografia, mas sim por que o fazem. A última palestrante foi Joy Liddicoat, da Comissão de Direitos Humanos da Nova Zelândia, que apresentou informações sobre sexualidade e sistemas regulatórios, dando exemplos de formas de engajamento que ela tem observado no país dela, como comissária de direitos humanos.


Em seguida, houve o debate que, ao meu ver, esquentou, com pessoas levantando questões quanto a necessidade de regular a internet para proteger as crianças, assim como pessoas interessadas na criação do domínio .XXX para separar conteúdos associados a sexo. É interessante e, ao mesmo tempo, preocupante, observar as reações tendendo a considerar a internet um espaço de risco e inseguro em função dos debates e circulação de conteúdos relacionados à sexualidade. Nesta história toda, como identificamos na etapa brasileira do EROTICS (em breve, será disponibilizado aqui o relatório da pesquisa), há um grande risco deste tipo de reação representar uma ameaça para o reconhecimento dos direitos sexuais como direitos humanos, com iniciativas que, em vez de dar visibilidade a questões de sexualidade, tendem a abafá-las e criar um clima de proibição, vigilantismo e violação de direitos.


Na parte da tarde ainda houve a abertura oficial do FGI, com a presença de Mr. Jomo Kwame Sundaram, secretário-geral assistente para Desenvolvimento Econômico no Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU. Houve também nesta sessão a participação de representantes de algumas delegações, inclusive de países latino-americanos, apontando suas questões e contribuições brevemente com relação à governança da internet. Nesta série de apresentações breves, o representante do Quênia colocou o país às ordens para receber a próxima edição do fórum.


Por enquanto, que tenhamos realmente dias intensos para, de fato, desenvolvermos juntos o futuro, como nos desafia o tema do IGF 2010.


Um intenso encontro.

Footnotes

(1) Leia o artigo "Regulação das TIC no contexto eróTICo brasileiro", com resultados preliminares da pesquisa EroTICs Brasil em http://www.genderit.org/en/index.shtml?apc=a--e96457-1&x=96457

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