Porque há tão pouca participação feminina na computação e em especial no GNU/Linux?
1.Introdução
Inicialmente baseada no “How to encourage women in Linux”, de Val Henson, este documento tem o objetivo de mostrar porque existem tão poucas mulheres na comunidade Linux e na computação em geral, falar sobre o comportamento de homens e mulheres em relação a isso e principalmente, como mudar esta realidade.
Val Henson é uma das fundadoras do LinuxChix International (http://www.linuxchix.org) , e este documento, o “Howto encourge women in Linux”, escrito por ela, foi incorporado ao Linux Documentation Project (http://www.tldp.org), um projeto de padronização e documentação do Linux e softwares livres em geral.
Em nossa lista de discussão chegam várias mulheres que desenvolvem bons trabalhos técnicos, que tem muita documentação feita por elas mesmas e um invejável conhecimento. Embora sejamos minoria, somos mais numerosas do que realmente pensamos. Porque cada mulher sente-se como se fosse a única?
2.Um pouco de história...
Segundo o censo, mulheres são a maioria da população. Entretanto, em qualquer lista de discussão, verificamos que muito poucas participam. O mesmo acontece na maioria dos eventos técnicos, encontros de usuários. Isto leva alguns a pensarem que mulheres simplesmente não se interessam por computadores. Será que temos alguma pré-disposição para não gostarmos de informática ou existem outros motivos?
Por séculos, as mulheres foram impedidas de ter acesso a faculdades. Poucas mulheres conseguiram ter acesso a materiais de estudo por conta própria. Mulheres como a Princesa Elizabeth de Boehmia e a Rainha Cristina da Suécia tiveram acesso a alguns materiais de estudo, para podermos entender o grau de poder necessário para se obter algum acesso a uma educação superior.
Quando Pitágoras abriu sua academia de ciências matemáticas e, diferentemente das outras, aceitava mulheres como alunas, Theano foi uma de suas alunas e foi a primeira mulher a produzir impacto nesta área. Hypatia foi uma grande matemática e astrônoma que teve seu trabalho expandido por Descartes e Newton.
Mesmo com tantas dificuldades, algumas mulheres conseguiram se destacar nestas áreas. O que tentamos demonstrar é que muitos argumentam que mulheres não tem histórico nas ciências exatas, e que isto além de não ser verdade, teve causas externas à vontade delas.
Se levarmos em consideração o fato da computação ser uma área que teve sua expansão há pouco tempo, e que também a muito pouco tempo mulheres não poderiam trabalham sem autorização escrita do pai ou marido, seria mais correto afirmar que elas não tiveram o mesmo acesso a esta área.
3.Moldando a genética
Vários homens argumentam que mulheres não desenvolvem o mesmo raciocínio lógico que eles, já que suas namoradas/irmãs não entendem física, matemática ou computação. Embora eu pessoalmente não tenha percebido diferenças nas dificuldades entre meninos e meninas durante minha formação educacional. Mas as mulheres crescem ouvindo os protestos das mães que cálculos e aparelhos eletrônicos são difíceis, e que são melhor desenvolvidos por homens, enquanto as filhas são treinadas no serviço doméstico. Desta forma, já são distorcidos assim as habilidades de cada um.
E onde começou toda esta distorção? Com as “profissões de meninas”. Da mesma forma que os meninos recebem influências para determinadas profissões, mulheres são “treinadas” desde pequenas para cuidarem do lar, dos filhos no futuro. Por isto, ao invés de exercitarem sua curiosidade por tecnologia com computadores, brinquedos eletrônicos, elas ganham bonecas, casinhas, aparelhinhos de chá. Enquanto o computador da casa geralmente fica no quarto do menino. Desta forma, mais tarde, ao optarem por uma profissão, dificilmente irão pensar em computação.
4.Faltam modelos ou busca no Google?
Muitas pessoas podem tentar justificar a falta de mulheres com a falta de modelos reais, mulheres que se destaquem na computação. Vejamos:
* Ada Byron – A Condessa de Lovelace é conhecida como a primeira programadora da história. Especialista em matemática, conheceu Charles Babbage, um dos tataravôs do computador. Ela escreveu um complexo sistema de rotinas sobre a maquina analitica de Babbage, sendo considerado o primeiro texto explicando o que conhecemos hoje por programação.
* Programadoras do ENIAC – o precursor dos computadores de grande porte teve apenas mulheres envolvidas na sua programação. Para militares americanos, os homens não tinham a paciência necessária para executar tal tarefa. Sem contarem com documentação ou sistema operacional, elas ainda sofriam a injúria de receber a inscrição SP (subprofessional) em seus crachás.
* Grace Hopper – Criadora do COBOL, também criou o primeiro compilador. Sua menor contribuição foi a criação dos termos bug e debug.
* Pia Smith – sua contribuição para a comunidade linux a levou a ser indicada, e vencer, a votação para a presidência do grupo de usuários na Austrália (http://www.linux.org.au).
* Maria Fernanda Teixeira – vice presidente da EDS no Brasil, uma das maiores empresas de tecnologia mundial.
5.Mulheres e mercado de trabalho
A situação atual da mulher no mercado de trabalho ainda não é a melhor. Numa pesquisa realizada pela INFO Exame em 200 empresas de tecnologia, 55% delas tem mulheres ocupando postos de comando. Entretanto, há diferença salarial. Segundo pesquisas na Catho, a remuneração das mulheres é em geral 17% menor que a dos homens na mesma ocupação. Se servir de consolo, em outras áreas, essa diferença pode alcançar 27,5%.
Mesmo assim, como podemos verificar, poucas mulheres ainda resolvem seguir carreira. As que escolhem o software livre, ainda terão outras barreiras específicas desta área.
6. A Comunidade
A comunidade do software livre ainda está aprendendo a lidar com os novas pessoas interessadas na área. Não faz muito tempo em que usuários de computadores também eram programadores, pessoas já ambientadas e com profundos conhecimentos técnicos. Toda esta bagagem custou muitas horas de esforço, estudo e testes, implementações, noites e noites depurando erros. Embora esta tendência esteja mudando, somos vistos como anti-sociais e inamistosos com novatos. Estas pessoas podem enviar dúvidas e questionamentos que parecem banais, porém com a explosão do uso de computadores e a migração desenfreada para software livre muitas vezes sem a correta avaliação (“Migre mas migre direito”, Revista do Linux nro 39 - março/2003), estes usuários não fazem a menor idéia de como agir.
Desta forma, respostas mal educadas (como RTFM) são comuns, tanto a homens quanto a mulheres. Embora para mulheres o mais comum são inúmeras respostas com todos os passos para ser resolvido o problema em questão, as vezes até com um telefone para contato para eventuais esclarecimentos extras :). Qualquer pessoa imediatamente já irá notar a diferença de tratamento. Isto quando não ocorrem piadas machistas ou cantadas grosseiras. Não precisamos pensar muito para perceber que isto afasta mulheres da comunidade, tanto as novatas quanto as que já estavam ali observando. As que resolvem ficar, permanecem caladas por medo de enfrentarem a mesma situação.
É correto isto? Não, claro que não é correto desrespeitar uma pessoa, seja ela homem ou mulher. Porém, é correto também as mulheres continuarem com esta postura de fugirem?
7.Encorajando mulheres
Mulheres são educadas desde pequenas a evitarem confrontos. A serem discretas, bem comportadas, a sempre questionarem seus julgamentos, geralmente repreendidas por falarem alto. Só que numa lista ou fórum de discussão, falar alto e insistentemente pode ser a única forma de ser ouvido.
Não fuja. Não espere tratamento especial. Verifique que todos se questionam, discutem, se exaltam, não é porque é com você. Mantenha sua opinião até que algum lhe demonstre estar errada. Não desista de seu trabalho e do software livre porque alguém foi grosseiro. Mostre seu trabalho, defenda seus conhecimentos. Técnicas de se vencer um debate utilizando argumentos que firam o estado emocional ou seu caráter existem até mesmo em livros, mas isto não é desculpa para fugir. A vida não pode ser encarada assim, e isto inclui seu trabalho. E este trabalho é contínuo, sempre irá aparecer alguém para tentar lhe desmerecer. Isto não é exclusividade das mulheres, todas as pessoas enfrentam estes problemas. Porém, as mulheres tem que parar de desistirem e irem para casa chorar.
Citando Maria Fernanda Teixeira: “Ela tem que tentar ser melhor em tudo, estar muito atualizada e ter muita coragem, acima de tudo. Mas eu acredito que a grande falha da mulher é que ela ainda não sabe usar do networking para mostrar-se ao mercado. Ela não participa de associações, não se preocupa em criar novos círculos de amizade e não sai divulgando as suas competências, como os homens fazem. Aí, é claro, eles acabam sendo lembrados com mais rapidez e, muitas vezes elas acabam preteridas por puro esquecimento mesmo".
8.Nós nos subjugamos
Conforme já comentamos, mulheres são criadas de forma a serem discretas, agradáveis. Isto inclui não chamar a atenção ou se auto promoverem. Dificilmente uma mulher se define como especialista em determinado assunto, ou assume seu grande conhecimento em determinada área. A maioria dos homens sabem como valorizar seu trabalho, ou as vezes supervalorizar. Desta forma, perde a mulher que perde oportunidades de melhorar sua vida profissional, por não ser lembrada quando surge uma necessidade, assim como perde a comunidade por não ter acesso as palestras ou documentação que esta mulher poderia fazer.
Na nossa lista, existem muitas mulheres. Diversas com grande conhecimento e experiência técnicas. Algumas me dizem que possuem documentos “mal acabados” de serviços, softwares utilizados, ou não se sentem seguras para falar sobre este assunto. Enquanto isto podemos ver na rede disponíveis diversos documentos mal escritos, mas que se tornam muito mais úteis do que estes que não foram publicados. Então, vamos escrever????
10. Não digite, me explique
Uma típica atitude masculina, mais freqüente com relação a mulheres é a de tomar o teclado. Uma mulher pede ajuda porque tem uma dúvida, e ao invés de receber uma explicação, um caminho a seguir, ele simplesmente digita os comandos mágicos e resolve o problema. Proteste! Não permita isso! Eles dificilmente tomariam esta atitude se fosse um homem sentado a frente do computador, então não alimente a imagem de que mulheres não entendem de computadores e exija que ele lhe explique. Já basta a publicidade, na forma de anúncios de informática em revistas e televisão onde, se há uma mulher, ela está perdida esperando ajuda. É muito mais fácil resolver um problema do que transmitir conhecimento, mas este esforço irá agregar conhecimento e poupar novas questões no futuro.
11.Freqüente eventos
Como várias já sentiram na pele, a associação feita por uma participante do LinuxChix International é perfeita: “entrar numa reunião de usuários GNU/Linux ou fórum é qualquer coisa semelhante a cena do bandido entrando pela porta do saloon no filme de faroeste”.
Isto acontece com qualquer pessoa que seja diferente em um ambiente. E ainda somos minoria, somos diferentes. Embora fosse ótimo se fossemos encaradas com mais naturalidade, e não precisássemos mais ouvir o “Nossa, tão raro uma mulher mexer com Linux”, isto ainda levará tempo para se tornar realidade. Deixando de frequentar eventos, além de perder todo o conhecimento transmitido nestas ocasiões, deixar de fazer novos amigos e trocar informações, você deixará de tornar isto natural, e de incentivar novas mulheres a permanecerem. Elas certamente se sentiriam mais a vontade identificando outras mulheres.
Embora algumas exceções, as mulheres que conheço em eventos, assim como eu mesma, são discretas, evitamos chamar a atenção. Não acho que eu tenha que mudar, apenas gostaria de deixar claro que adoraria conhecer cada uma, porém também tenho dificuldades em me aproximar de desconhecidos. Que tal da próxima vez fazermos como os meninos, nos aproximarmos de alguém desconhecido e conversarmos sobre o evento?
12. Membros da comunidade
Claro que seria bom se o mundo fosse correto, pessoas tivessem iguais oportunidades e machismo não existisse. Porém, precisamos aceitar que existe e que deve ser combatido, porém não é motivo para limitar nossas possibilidades.
Se você, homem da comunidade, gostaria de incentivar mais mulheres a usarem software livre, se gostaria de saber se está fazendo algo que pode estar afastando-as, o HowTo Encourage Woman tem boas dicas. A tradução dele está em http://br.linuxchix.org/encouragewomen/.
Se você, mulher da comunidade, quer mudar esta situação, comece por você. Aquele how-to abandonado, aquelas perguntas na lista que você sabe a resposta, aquele comentário atravessado que fez você pensar em abandonar um debate... vá em frente. Isto é importante tanto para a comunidade, quanto para as mulheres da comunidade, quanto para seu crescimento pessoal e profissional.
13. Delas pra elas
Então você resolveu ficar? Se interessa pela área e deseja seguir nesta profissão? Veja o que algumas mulheres que estão lá em cima aconselham:
* “Além da capacidade técnica, desenvolva sua capacidade de comunicar-se e se expor publicamente. Conceda a si própria o direito de errar e aprenda com seus erros.” Claudia Zuccas, diretora de software da IBM
* “Lute contra qualquer tipo de preconceito.” Maria José Sanches, diretora de tecnologia da Scorpus
* “Jamais tenha medo de desafios profissionais.” Vera Marques, CIO para a América Latina da Springer
* “Sensibilidade não é sinônimo de fragilidade. Jamais a encare como um defeito.” Carolina Zani, CIO do Boticário.
13.A comunidade LinuxChix
É uma comunidade organizada por mulheres que trabalham com GNU/Linux. Participam das listas de discussão programadoras, administradoras, estudantes e doutoras, desde profissionais com décadas de experiência a novatas. Seu objetivo principal é criar um ambiente onde mulheres percebam que não são as únicas na área, e que podem encontrar outras que enfrentam os mesmos problemas. Também visa manter um ambiente amistoso para iniciantes em geral, homens e mulheres, onde podem expor dúvidas e receber respostas.
Os homens podem participar do LinuxChix? Sim. Qualquer pessoa pode. Porém buscamos manter a organização do grupo com um corpo técnico feminino. Isto para nós é uma forma de incentivar mulheres e dar um bom exemplo: é obvio que existem mulheres competentes, elas só precisam sair do anonimato.
Sulamita Garcia
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